quinta-feira, dezembro 24, 2009

Meu filho Jordão (o mais novo) e meu sobrinho Gabriel posam entre irmãos da Amazônia durante o Forum Social, 2009, em Belém-PA


Um conto de Natal indígena


Naquela manhã ele levantou cedo. Já estava acordado desde a madrugada. Passara a noite relembrando que há quarenta anos, quando era menino, fora assim. Recordou passo a passo, cada detalhe, daquele distante dia, quando pedira para sua mãe acordá-lo, mas que não fora preciso. Dormira e acordara várias vezes durante a noite. Seus sonhos foram povoados por imagens confusas. Ouvira na escola sobre um tal milagre de Natal. Para sua gente não há Papai Noel, renas, neve e outras coisas que para alguns brancos não existem, mas eles crêem. O indiozinho achou que poderia ter aquilo que os outros curumins tinham e naquela hora fora até a oca do pajé. O velho xamã se espantou com a inesperada e estranha visita e com um aceno de cabeça perguntou o que o indiozinho desejava, obtendo como resposta outra pergunta. O que era Natal? O velho índio também já ouvira falar mas não sabia o que era. Era coisa de branco e não devia se importar com aquilo. Então ele esperara a noite toda a chegada de um velho de barbas brancas, roupa vermelha e botas pretas - descrição que ouvira de um funcionário da Funai -, viajando em uma carroça puxada por veados galheiros e jogaria um presente na oca onde houvesse criança. Ele que ficara acordado não viu materializado o que tanto esperava. Já adulto viria saber que os pais, tios, avós e parentes mais velhos dos meninos da cidade se fantasiavam de Papai Noel para distribuir presentes. Às vezes os presentes eram deixados debaixo da rede ou da cama das crianças as fazendo crer que fora obra do tal velhinho de barbas brancas. Assim, naquele mês de dezembro quando ele viu alguns meninos índios com a mesma ansiedade que tivera quando criança ele decidiu que iria dar asas a fantasia das crianças de sua aldeia. Durante os dias que antecederam o dia de Natal ele se preparou e na véspera à noite, quando todos dormiam, pintou seu corpo de tinta vermelha, o rosto de branco e pernas e braços de preto e apanhou os brinquedos que adquirira e que deixara escondidos em um lugar na floresta. E pela madrugada ele entrou sorrateiramente na oca de cada família, deixando um presente para cada criança, chegando a ser visto por alguns como um Papai Noel estilizado. E quanto amanheceu lá estava ele no meio da taba, já livre da indumentária de tintas, esperando o resultado. Quando as crianças foram acordando, a surpresa de felicidade que cada uma exprimia era sentida a cada grito, a cada risada, a cada murmúrio que vinha das ocas. Ele sentiu-se um pouco mal por estar violentando sua cultura, trazendo para sua aldeia um costume do homem branco. Mas imediatamente consolou-se. Ele que já morara na cidade e viajara por outros paises, concluíra que criança é criança, seja onde for, na África, Ásia, Europa ou em qualquer parte do planeta. Seria uma questão de tempo. Alguns seriam seduzidos pelos costumes alienígenas, mas outros, como ele, mesmo rodando o mundo, voltariam para cumprir um ciclo, uma missão, a de preservar a duras penas a floresta e sua cultura, mesmo às vezes tendo que se render a situações como aquela, e ter a honra de ser como nasceu: índio.




NOTA DO AUTOR - Em 1999 quando trabalhei em Castanhal me pediram para escrever um conto natalino para publicação em um jornal local. Tentei, tentei, mas findou o ano e não consegui realizar a tarefa. Além do mais, muito já se escreveu a respeito, como "Um conto de Natal", de Charles Dickens e aqui no Brasil um de Mário de Andrade que acho espetacular. No ano seguinte, quando trabalhava em Redenção, Sul do Pará, onde existe um posto da FUNASA e um barracão que servia de albergue para os índios em trânsito. ao vê-los passeando pela cidade fui motivado a escrever este conto. Originariamente emprestei ao protagonista e ao pajé nomes de indios kayapos. Mas, para publicação resolvi suprimir os nomes para evitar interpretações equivocadas que viessem me trazer aborrecimentos.


DEDICATÓRIA - Dedico este conto aos meus dois filhinhos - Jordão, 5 anos, que apesar da pele embranquecida, se diz um indiozinho, e a Israel, 2 anos, que parece ir no mesmo caminho.

quarta-feira, novembro 04, 2009

A polícia, o MP e o profeta


A recente decisão da 2ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o Ministério Público (MP) pode também investigar a prática de crimes, atribuição originária das polícias civil e federal, consideradas polícias judiciárias, fez-me lembrar a parábola que o profeta Natã apresentou ao rei Davi. Segundo as Escrituras, o profeta foi até o rei e disse que havia numa cidade um homem rico e outro pobre. O rico possuía muitíssimas ovelhas e vacas, enquanto o pobre apenas uma pequena cordeira que crescera com ele e seu filhos, do seu bocado comia, do seu copo bebia, dormia em seu regaço e a tinha como filha. Um dia o homem rico, para atender um de seus convivas, mesmo tendo a disposição seu imenso rebanho, abateu a pequena cordeira do homem pobre. O rei ao ouvir tal relato furiosamente condenou o ato ambicioso do homem rico, vindo a seguir saber que ele próprio era esse homem, pois, tendo numerosas esposas e concubinas, havia tomado a única mulher de seu general Urias, mandando depois matá-lo. Pois bem, o Ministério Público até 1988 era um órgão vinculado ao Poder Executivo, com algumas funções, mas seus integrantes, diante de intenso e incessante lobby junto ao legislador constituinte, além das incumbências, conquistaram na Carta Magna outras funções além das que já possuíam, chegando a nove. Mas, não conseguiram a décima! Não que não tivessem postulado por ela, a de poder exercer a investigação criminal, atribuição que já era das polícias civis e federal. Todavia, eles não sossegaram, e durante a tramitação de sua Lei Orgânica, sancionada em 1993, tentaram inserir essa função, mas, novamente a pretensão foi frustrada. Nem por isso deixaram de perseguir o intento, passando, mesmo não havendo previsão legal, a realizar as investigações das quais são sequiosos, deixando de lado o exercício pleno de suas nove funções constitucionais, além das incumbências. De tanto insistir, aquilo que não conseguiram com os legisladores eles vem conseguindo no Judiciário. Os membros do MP, certamente os federais, cujos integrantes são denominados de procuradores da República, com os de maior hierarquia atuando junto a maior corte de justiça do País, o STF, obtiveram, diante de muita insistência, e ponha insistência nisso, a fazer o que fazem as polícias judiciárias. A única atribuição constitucional das polícias agora é repartida com promotores e procuradores da República. Como isso acabará? Só o tempo dirá. Como na parábola de Natã, os membros do MP não se contentando com o que tem, partiram ávidos para a única atribuição das polícias. Como no dito popular: o saco do ter não enche. O término da parábola encerra com o profeta dizendo ao rei que este teria tomadas suas mulheres e dadas ao próximo. Bem, se alguém com funções demais não exerce integralmente seu cumprimento, alguém certamente findará por fazer.

(Através deste singelo texto homenageio meu netinho Natã)


terça-feira, setembro 01, 2009


A marca de Zorro nas polícias



Sempre que vejo na mídia em matérias policiais imagens de delinqüentes e material produto de crime tendo como pano de fundo um banner com brasões e insígnias policiais eu me lembro da “marca de Zorro nas polícias”, cuja expressão eu ouvi pela primeira vez pronunciada por um oficial da Polícia Militar da Bahia há cinco anos em palestra realizada na capital baiana. É preciso, antes, esclarecer ao leitor mais novo, quem é o Zorro. Nas décadas de 60 e 70, no cinema e na TV, faziam sucesso o Zorro caubói e o Zorro espadachim, personagens justiceiros que escondiam suas verdadeiras identidades atrás de uma máscara negra. O espadachim, perseguido sempre pelo obeso sargento Garcia, a cada ação realizada, sempre com sucesso, é claro, insculpia a letra “Z” com a ponta de sua espada na testa do bandido, nas paredes ou em qualquer parte visível do local onde estivera em ação, como marca de seu triunfo. Pois bem, há alguns anos policiais de todas as esferas, sem distinção, quando prendem criminosos e apreendem produto de crime (drogas, armas, munições e objetos e dinheiro furtado, roubado ou obtido de alguma forma criminosa) perdem uma parte de seu precioso tempo para realçar suas atuações e de suas corporações, inserindo suas marcas (brasões e escudos) no mesmo lugar onde são fotografados os presos e exposto o material apreendido. E na falta eventual desses escudos é utilizada toda sorte de identificação: distintivos, bonés, jaquetas e outros objetos para por em destaque a instituição que realizou o serviço, valendo até utilizar munições para, de forma bem arrumada, montar as siglas do segmento que prendeu e apreendeu. E essa mania já se estende a outras instituições como a Polícia Rodoviária Federal, Guarda Municipal, Ibama, e por aí vai. E essa prática sem sentido já virou espécie de ritual, sem nenhum resultado prático a tornar eficaz ou melhorar a prestação do serviço, a não ser evidenciar de certa forma a ingenuidade de quem se presta a tal tipo de exteriorização de vaidade, servindo mais para acirrar uma disputa entre órgãos que integram a segurança pública, pois, de concreto nada advém desse modismo com relação ao indivíduo e a coletividade destinatária do serviço. A situação chega a evoluir internamente na disputa entre divisões, grupamentos e companhias de uma mesma instituição ou corporação policial, cada um querendo aparecer mais do que o outro. De quem afinal querem chamar atenção? Dos bandidos soltos, da sociedade que com certeza não se ilude mais, dos governantes e seus assessores diretos? Mera ilusão! Enquanto isso a demanda do crime é assustadoramente crescente e nenhuma política pública ou estratégia a curto, médio e longo prazo parece ser posta em prática. E se é posta, seu resultado é desalentador. No final das contas até mesmo os agentes públicos dessa ruidosa exposição inútil integram o extenso rol das vítimas, pois, não raro policiais são assaltados e tomadas suas armas. A situação toma contornos mais preocupantes, pois, as equipes que fazem as prisões e apreensões antes de chegar à delegacia, onde será formalizada a prisão ou apreensão, alongam seu trajeto para dar uma passadinha em seus quartéis ou repartições e fotografar os “troféus” em frente a banners cuidadosa e previamente instalados, fazendo divulgação pela mídia daquilo que entendem como sendo a glória alcançada que não pode ser repartida. Na realidade nada mais do que um dever de ofício, uma obrigação, que no fim das contas não influi e nem contribui para aumentar seus salários, melhorar as condições de trabalho, propiciar melhor qualificação ou obter qualquer outro benefício ou vantagem, servindo sim, de reprovação muda da sociedade que não se ilude mais com pirotecnia e práticas inócuas.


quinta-feira, agosto 13, 2009


A verdade do procurador

Parece absurdo, mas estimativas do Ministério da Saúde revelam que diariamente no Brasil 290 mil pessoas dirigem alcoolizadas. E o excesso de bebida muitas vezes destrava a língua e revela o caráter do homem, emergindo aquilo que jaz no recôndito da alma. Foi o que aconteceu recentemente com um procurador do Estado, ao ser apanhado inteiramente sob o efeito do álcool, segundo teste do bafômetro, indo parar em uma delegacia de polícia, onde passou a lançar diatribes contra os policiais presentes, cuja conduta alcançou difusão nacional. Não tão jovem, nascido em berço de ouro, terceira geração de família tradicional de juristas, com o currículo recheado de títulos conquistados aqui e no exterior, ao se encharcar da “mardita”, da “manguaça”, como qualquer mortal, desandou em revelar o que se passa em seu íntimo. Está no Evangelho que “a boca fala do que está cheio o coração”. A situação me trouxe à lembrança a batalha “tipo Davi e Golias” que a categoria de delegados de Polícia trava junto ao Judiciário contra o governo do Estado para ter seus vencimentos paritários aos da categoria do bebum multi-diplomado, a sonhada isonomia, cuja luta se arrasta há mais de quinze anos, parecendo ainda longe seu desfecho. Os procuradores nunca externaram o que se imagina que pensam de nós, mas um deles não conseguiu segurar. E “se achando”, como coloquialmente virou moda, até com certa razão, vomitou seu aziúme. Pois, sendo detentor de maior conhecimento técnico, defendendo o Estado dos ataques judiciais ao erário, a maioria motivada pela má gestão de seus agentes, a começar pelo maior deles, acha que merece gozar os privilégios de uma casta de servidores aristocráticos, enquanto, os policiais, que defendem mal, que se diga, não porque não se esforcem, mas pela indigência de condições, mas defendem o cidadão, ou melhor, a coletividade, dos ataques à segurança de seu patrimônio e da sua vida, estão destinados a receber do mesmo Estado um tratamento de dahlits, na concepção do mesmo procurador. Contra as imagens e sons gravados dos fatos não há argumentos. Afora o crime de trânsito, pelas concepções doutrinárias o procurador não cometeu desacato, porque, apesar de sua douta formação, não podia avaliar sua conduta quanto as ofensas irrogadas à honra do servidor público no pleno exercício de suas atribuições. “Tu és um otário, eu posso de chamar de otário, tu não pode, sabia disso?”, “tu vai ser segurança de gente que vai te pagar, tu vai ficar gordo ... tu vai virar corrupto um dia ...”, “eu sou advogado, eu sou procurador do Estado”, “tu sabia que tu é babaca”? E nesse tom o doutorzinho desfiou tudo o que seu coração guarda: o preconceito, o nojo, o desprezo, por quem desempenha uma atividade simples, modesta, humilde, mas tão importante, tão necessária quanto a do advogado do Estado que enche a cara e sai dirigindo pela cidade, colocando em risco sua vida e a de seus semelhantes, principalmente os pedestres. Se não fosse contido, poderia, sabe Deus, imitar o deputado paranaense que recentemente, em condições semelhantes, ceifou duas vidas ainda jovens. Devia ele ficar eternamente agradecido por ter sido preso, interceptado ainda com vida, sem maiores prejuízos para si e para outrem, com sua integridade corporal preservada, diferentemente como ocorreu com o parlamentar, evitando maiores dores a sua família e famílias alheias. Em outro país, quem sabe, mesmo que não fosse para a cadeia, ele iria passar um bom termpo realizando serviços educativos à comunidade, a chamada sanção de cunho pedagógico, como forma de minorar seu ato, não bastando seu mea culpa simplório. Mas, um fato foi revelado: o conceito que o procurador tem de policiais, incluindo delegados, contra quem litiga em prol do Estado.


quinta-feira, agosto 06, 2009

No ocaso da vida







Faz-me rir, como gostam de dizer os lusitanos, quando leio sobre faniquitos, ataques de enfado ou gestos grosseiros de algumas pequenas celebridades diante da “perseguição” de fotógrafos, do assédio de fãs, da insistência de repórteres, dos comentários de jornalistas e outras manifestações do gênero. Pensar que algum tempo antes tais celebridades suspiravam exatamente por dose infinitamente maior do incômodo que agora revela sua hipocrisia. Esses gestos me lembram do espanto que tive ao ver a fotografia de uma setuagenária senhora. No rosto os sulcos e vincos da idade, marca dos anos vividos, contudo, trazendo ainda uma réstia de beleza. Mas, um pouco de maquiagem e ela estaria em condições plenas de encarnar qualquer papel de bruxa malvada como aquela que levou as maçãs para Branca de Neve, a Maga Patalógica ou a horrenda Madame Min que povoaram minha infância. “Essa mulher deve ter tido alguma beleza”, diria ou pensaria alguém que não a conheceu. Quanto à beleza física digo eu que era demais! Estonteante, de parar o trânsito (quanto vezes isto não aconteceu?), a motivar beliscões e reprimendas das senhoras casadas, das noivas e namoradas de então, diante da rápida, disfarçada ou explicita admiração de seus pares. Mas a diferença daquele tempo para os dias de agora é abissal. Ela foi um ícone, um sexy-symbol. Seu nome significava e irradiava beleza e sensualidade. Não foi exagero ter sido escolhida pelo marido cineasta e fã número um, para protagonizar o filme “E Deus criou a mulher”! Seu nome: Brigite Bardot. Hoje significa aquilo que o profeta escreveu: “as vaidades nada aproveitam e tampouco livrarão, porque vaidades são”, mas que a grande maioria dos seres humanos não atenta e só se dá conta no ocaso da vida. Ela atualmente preenche seus dias como ecologista na defesa das baleias, sem que tenha um naco da visibilidade que teria naqueles áureos dias, o que faz lembrar o pregador de Eclesiastes: “lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os dias maus (de canseira e tédio) e diga neles não tenho contentamento”. A lição milenar está ai para quem tiver ouvidos ouvir.



quarta-feira, julho 01, 2009










Nem sempre ganha o melhor




Recebi em meu correio eletrônico um vídeo musical. Trata-se de um septeto de cordas, com cinco violas (ou cavaquinhos) e dois violões, executando a música tema de um filme de faroeste, intitulado no Brasil de “Três homens em conflito”, cujo gênero, também chamado de caubói e bangue-bangue, que teve seu auge na primeira metade do século passado com John Wayne seu astro maior, retornou com toda força em meados da década de 60 até o seu final. Os roteristas desses filmes citados pelos críticos de cinema como “western”, criaram vários personagens, dentre os quais, Sartana, Ringo e Django. Um dos atores de maior evidência, que nos states usava o nome de Montgomery Wood, foi o italiano Giuliano Gemma, protagonizando os famosos “western spagetti”, como eram chamados filmes produzidos pelos seus patrícios. Mas, o grande ator dessa fase prosseguiu a carreira protagonizando outros gêneros, vindo a ser premiado como ator e diretor. Trata-se de Clint Eastwood, protagonista de alguns filmes de faroeste, dos quais lembro de “Por um punhado de dólares”, “Os abutres têm fome” e “Três homens em conflito”, este último, cujo título americano é “The good, the bad and the ugly”. O bom, o mau e o feio (da tradução literal), são encarnados, respectivamente, por Eastwood, Lee Van Cleff e Eli Wallach. E o filme, para quem gosta do gênero, é um filmaço! Os produtores italianos investiam na trilha sonora, sempre entregue ao grande Ennio Morricone, de grandes obras nesse estilo. Me pergunto por que aquela música não ganhou o Oscar de melhor trilha sonora? Nem sequer indicado. Mas lembro que nem sempre ganha o melhor. Talvez pelo preconceito à época ao gênero da obra, exemplo de injustiça, premiando a articulação e o prestígio de quem estava mais próximo do poder, no caso, da Academia de Artes de Holywood. Mas a música seguiu o curso do tempo, como gostava de citar meu saudoso professor Veríssimo, “o perpassar inexorável das centúrias”. Aqueles que viveram as décadas de 60 e 70, se não ouviram a música na tela do cinema, ouviram-na na TV, em algum programa de rádio ou como abertura ou prefixo de algum serviço de rádio de feira, afora as gravações e apresentações da orquestra de Morricone. A música, trilha sonora do filme dos três homens em conflito é simplesmente, espetacular, assim como, a execução do septeto, produzindo oralmente efeitos integrantes do arranjo original escrito ou orientado por Morricone: o assovio mavioso do vento soprando nos ouvidos dos cavaleiros, o tropel de cavalos, vozes fantasmagóricas (como nas lendas) vindas dos cânions comuns no cenário natural, o barulho de chicotadas, tudo relacionado ao gênero de filme para o qual a música foi escrita. Os instrumental e o vocal são magníficos! Vi e ouvi o vídeo várias vezes que é uma delícia, lembrando aqueles filmes. Vale a pena assisti-lo, mesmo quem não viveu aquele tempo, que, com as poucas informações contidas neste texto, mesmo que ligeira e superficialmente, pode aquilatar a obra pela beleza da melodia, arranjo e execução.








sábado, maio 30, 2009

Alunos de Letras/97 - campus UFPa-Castanhal - clic na imagem para ampliar



Cultores da linguagem – discurso de formatura

Hoje faz 7 (sete) anos que minha amada mulher Cristina Passarelli Pimentel recebeu o grau (Licenciatura) em Letras pela Universidade Federal do Pará, da qual efusiva e honrosamente fui seu paraninfo. Remexendo em nossos guardados encontrei o texto do discurso proferido por ela, escolhida oradora por seus colegas de turma. O título deste texto é aleatório, mas faz jus aos profissionais da área.

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Escolhida por meus colegas para esta protocolar incumbência, como oradora da turma, sinto-me mui honrada. E, por que não dizer envaidecida? Humildemente peço desculpas se minha modesta oratória não agradar. Mas, são palavras sinceras, do fundo do coração. Alguns dos convidados aqui presentes provavelmente não sabem em que se habilitam os formados em Letras. De como desempenharão sua atividade profissional. De como colocarão em prática os conhecimentos aprendidos nos bancos acadêmicos. Como contribuirão com o próximo e com a Pátria? Se em nosso lugar aqui estivessem colandos em Medicina, Engenharia e Direito, todos saberiam como eles iriam atuar. Mas, e em Letras? É oportuno, portanto, fazer uma rápida abordagem de nossa atuação profissional, daquilo que doravante de fato e de direito iremos desenvolver. Estaremos habilitados a lecionar a Língua Portuguesa que é o idioma falado em nosso País, herdado dos colonizadores, bem como a ensinar as literaturas brasileira e portuguesa. Enquanto o médico se ocupa com a saúde do corpo e a preservação da vida de seu semelhante, nós iremos cultivar nosso idioma, curando o semelhante da alienação natural, contribuindo em nossa preservação como identidade de um povo, aplicando-lhe o soro do conhecimento lingüístico e literário. Trabalharemos com a sintaxe, a morfologia, a semântica, a pragmática, a hermenêutica, a origem das palavras e sua interpretação, seja ela em prosa ou verso, assim como seus cultores, poetas e escritores, seus estilos, gêneros e épocas. Iremos manter vivos, os autores do passado e do presente, evidentemente que no sentido metafórico. Através de nós saberão nossos alunos a distinção entre as palavras homônimas, homófonas, parônimas etc. Diremos por que Bilac chamou nossa língua de “Flor do Lácio, inculta e bela”. Difundiremos os versos clássicos dos grandes ícones da Língua Portuguesa, entre os quais, Camões, que escreveu que “O amor é fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente ...”. E Fernando Pessoa, de que “... tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Estes últimos versos me trazem à lembrança a cena de algumas colegas alojadas em modesto e acanhado quarto nesta cidade para mais um período escolar, no sacrifício do aluno pobre que mora em outro município. E lá estavam estes versos esculpidos em uma caixa de papelão que servia de cômoda. Lembrei que o mesmo poeta escrevera também que “Navegar é preciso. Viver não é preciso”. Prosseguindo em nossa missão, iremos abrir os olhos de nossos alunos para o Barroco de Gregório de Matos Guerra, o Arcadismo de Tomás Antonio Gonzaga, com sua eterna musa Marília, o Romantismo de Álvares de Azevedo, o Realismo do imortal Machado de Assis, o Simbolismo de Cruz e Souza; do Pré-modernismo até o estágio atual, passando por Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Mario de Andrade, Vinicius de Morais, Raquel de Queiroz, Érico, Amado, Clarice e tantos outros, chegando aos versos de Cecília: “Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa, não sou alegre nem sou triste, sou poeta”. Enquanto o engenheiro e o arquiteto constroem prédios, nos estaremos trabalhando na fundação e nos alicerces da cultura necessária a nossos patrícios. Enquanto o advogado irá defender seu cliente ante o direito espoliado, nos iremos defender o saber de investidas malsãs, libertando nosso semelhante das amarras e trevas da ignorância. E assim por diante, sempre tendo algo em comum com as demais profissões. Seremos lavradores, arando a terra humana, semeando as palavras para que brotem frutos de conhecimento, dotando-a de bens que irão acompanhá-los por toda a vida. Portanto, como nas Escrituras, coloquemos a mão ao arado sem olhar para trás, para sermos dignos de nosso mister. O homem pode perder todos os seus bens materiais, seja qual for o tamanho de suas riquezas, mas o conhecimento é um bem que ninguém, nenhum tirano ou ditador poderá lhe arrebatar. Sejamos alquimistas na reunião dessas profissões, não em busca da pedra filosofal, mas transformando, sem nenhuma gota de arrogância ou pretensão, com perseverança, dedicação e empenho, pedras brutas em brilhantes. Oportuno se faz uma retrospectiva de nossa inesquecível caminhada nos bancos acadêmicos até esta memorável data que já começa a entrar no rol da saudade. Parece que foi ontem, fazendo já alguns semestres, cada um de nós se associava a mais 49 novos colegas, a maioria desconhecidos, vindos dos mais diversos municípios deste Estado. Eufóricos, cheios de anseios, curiosos do que nos ia ser ministrado, cada qual como uma dose diferente de expectativa e a vontade comum de vencer os obstáculos que surgissem. Não demorou muito para que entendêssemos que encontraríamos, parafraseando Drummond, “muitas pedras no meio do caminho porque no meio do caminho havia muitas pedras”. Coisas diferentes e estranhas surgiam diante de nós como a apresentação dos eixos sintagmáticos e paradigmáticos. A explanação sobre a primeira e a segunda articulação da língua. A gramática gerativa-transformacional de Noam Chomisk. A pseudoconcreticidade como a unidade da forma fenomênica e da coisa em si. A natureza arbitrária e convencional do signo lingüístico. Vigotsky e a zona de desenvolvimento proximal ... Esses foram alguns assuntos estranhos que nos fascinaram, deixando-nos extasiados e perplexos frente ao maravilhoso mundo da linguagem. Seminários, provas, trabalhos, trabalhos, provas, seminários ... era tudo uma correria tão intensa que muitas vezes, motivados por nossa fragilidade humana, tivemos a intenção de parar e desistir, ou até mesmo de evadir para a tão sonhada Pasárgada de Manuel Bandeira. Ainda bem que não nos deixamos seduzir pelo canto das sereias e conseguimos atravessar o mar e ancorar no porto de Ítaca que é este dia. Faço uma rápida digressão para lembrar fatos pitorescos da turma de Letras/97 como a colega Vera que em suas exposições se desmanchava em suor ensopando suas roupas. A Enilde que de certa feita deu nota Insuficiente para todos os colegas, exceto para ela e outro aluno, avaliados com Excelente. A Adalgiza e sua performance surpreendente e elogiável na encenação de uma peça teatral. E o nome mais comentado: “Matoso Câmara”. O momento marcante: a despedida do professor Sérgio Alves que dá o nome a esta turma. O professor Edson Ferreira que após passar um longo e tenebroso período torturando e implicando conosco despediu-se com um beijo soprado da palma da mão. A queixa secundarista, para não dizer “amamãezada”, do João na secretaria porque penduraram sua pasta na luminária. E o mesmo João apelidado carinhosamente de “aluno maniçoba” e que repetia sempre a palavra “perdura”. O dia mais esperado da semana: a sexta-feira, quando todos retornavam para seus lares. O pito levado pela Jose em plena aula de Metodologia do Trabalho Científico quando retocava o batom. A voz de FM do Cláudio. As interpretações da Aline nos corredores recitando os “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos. Jonas, sempre citando “Macambira” em suas incursões lingüísticas. As dramatizações de Valéria. As paródias de Raimundinho, o nosso Gregório de Matos, popular “Boca do Inferno”. O Cosme arrastando suas sandálias parecendo o jovem rebelde dos anos 60 e 70. E nessa viagem nos tornamos uma grande família na qual reciprocamente nos amparávamos com palavras de amor, incentivo e solicitude, para que pudéssemos chegar ao objetivo final que chegamos. Graças a Deus! E ao longo desses anos muitos tiveram suas vidas completamente modificadas. Uns casaram, outros se tornaram pais, mães e outros até se foram para longe de nós, mas permanecerão guardados indelevelmente no Museu da Terra do Coração. Aprendemos aqui, com nossos amados e inesquecíveis mestres (até mesmo com aqueles que muitas vezes nos fizeram chorar) que “sempre” e “nunca” são tempos que inexistem, por isso é sempre tempo de aprender e nunca é tempo de desistir. Graças a eles, que fizeram das noites salas iluminadas, que tornaram a luz da dúvida uma estrela remota, que dos dias fizeram planos de aulas e das aulas, planos para os nossos dias. Eles que fizeram do conhecer a sua cadeira e na divisa entre o evidente e o elementar, à beira de um abismo cujo valor é o saber e cujo horizonte transcende o céu do pensar, eles sentaram-se para apreciar nosso entardecer. E entardecíamos ... Entardecíamos com o último dia do resto de nossas vidas. Mas antes que sumíssemos nas sombras da sociedade, nos voltamos, e sorrindo, acenamos então um último adeus de agradecimento e saudade. E agora que estamos partindo, caros colegas, que a distância não disperse as nossas idéias, mas as defina, expandindo-as em prol da transformação social. O mais belo de tudo é que uma parte de nós fica e outra vai, não nos dividindo, mas nos reproduzindo. Trocamos idéias e assim propusemo-nos a edificar um mundo melhor, uma educação mais coerente. E ao sairmos daqui, guardando as peculiaridades de cada um, lembrar-nos-emos com carinho de tudo o que passamos juntos, de todos os problemas que enfrentamos, de todas as experiências que vivemos. Devo lembrá-los que não encerraremos aqui nosso aprendizado. Trata-se apenas de uma etapa vencida. Alguns alçarão vôos mais altos, se especializando, se mestrando, se doutorando. Outros, pelas circunstâncias, ficarão apenas neste curso de graduação. E para os que não puderem ou não quiserem prosseguir usando este curso como instrumento, me invisto da prosopopéia dos versos de Toquinho para como o caderno e o livro pedir: “não me esqueçam num canto qualquer”. Sempre buscando mais, como nos versos do saudoso Gonzaguinha, que mostrava “a beleza de ser um eterno aprendiz”. Aproveito o ensejo, para, em nome dos colegas, registrar o nosso perene agradecimento não somente aos professores, mas aos servidores do campus, aos nossos pais, cônjuges, filhos, irmãos, amigos e a todos que de alguma forma contribuíram para esta vitória. Meus queridíssimos colegas, na hora da despedida, não diremos um ADEUS! Somente um ATÉ BREVE! E se por acaso, lágrimas deslizarem, serão apenas de felicidade e da saudade que começa a invadir a cada um de nós. Muito obrigada.

Cristina Passarelli Pimentel
Castanhal-PA, 30 de maio de 2002.



sábado, maio 09, 2009

Aposentadoria de policiais civis

Tão logo iniciou o atual governo estadual, os sindicatos de delegados e policiais civis encaminharam um anteprojeto de lei a governadora tratando da concessão da aposentadoria voluntária aos 30 anos de serviço, pois trata-se de matéria de competência exclusiva do Executivo. Desde 1985, com o advento da Lei Complementar nº 51, policiais federais e rodoviários federais e policiais civis de todo o Brasil passaram a pleitear suas aposentadorias com base na referida lei. O legislador se mostrara sensível em jubilar o servidor policial aos trinta anos de serviço, desde que contasse, pelo menos vinte anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, possibilitando a maior renovação do efetivo em oposição a um contingente fisicamente envelhecido, comprometendo a eficácia da prestação de um serviço voltado à segurança pública, principalmente no combate ao crime organizado, reconhecendo que seus integrantes desempenham uma atividade perigosa, de risco, tensão constante, estresse, empregando conjuntamente os esforços físico e mental, situação que se estende, inclusive, aos períodos de folga, pois grande parte das atribuições (investigações) não pode cessar, diferentemente da maioria das demais profissões. Mas, a partir da Emenda Constitucional nº 41/2003 os institutos de previdência estaduais e respectivos tribunais de contas entenderam que a referida lei fora revogada, passando a adotar a regra de aposentadoria dos demais servidores. Nesse tempo governadores de alguns Estados enviaram às respectivas assembléias legislativas mensagens concedendo a aposentadoria especial para o policial civil, resultando em aprovação de leis com teor idêntico a da referida lei complementar tida como revogada. Diante desse injusto e contraproducente entendimento algumas entidades de âmbito federal representativas de policiais provocaram manifestação do Tribunal de Contas de União que em sessão do dia 11 de março deste ano, firmou o entendimento que a Lei Complementar 51/85 fora recepcionada pela Constituição Federal de 1988, assim como pelas Emendas Constitucionais 20, 41 e 47, que trataram sobre o serviço público, continuando, por conseguinte, válida e eficaz, enquanto não for ab-rogada, derrogada ou modificada por nova lei complementar federal, subsistindo, portanto, a regra de previsão de aposentadoria especial de que trata a referida lei complementar. No mesmo sentido o Supremo Tribunal Federal já havia decidido na ADIn 3817-DF. Observando o efeito vinculante da matéria, o Tribunal de Contas do Estado do Pará, em sessão ocorrida no dia 07 do corrente, quando em seu plenário estavam presentes membros dos sindicatos de delegados e dos servidores da Polícia Civil e este delegado, decidiu adotar a decisão da corte federal de contas, observando que, em consonância com os princípios da racionalidade administrativa e da economia processual, autorizar, excepcionalmente, que os processos de aposentadoria e os recursos envolvendo exclusivamente a questão atinente à não recepção da Lei 51/85 sejam considerados legais, por relação, ainda que contenham pareceres divergentes, atingindo, inclusive processos julgados há mais de cinco anos. A governadora Ana Júlia Carepa perdeu uma grande oportunidade de fazer jus a seu slogan “Pará Terra de Direitos”. Se vier sancionar lei nesse sentido irá chuviscar no alagado, pois, o TCE-PA se incumbiu do resgate histórico desse direito, mudando seu então entendimento para a satisfação da categoria policial civil paraense.
(texto publicado em O LIBERAL, Belém - PA, edição de 08/05/2009.

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