Refletindo com Rubem Alves
Ontem recebi com alegria a informação
que uma pessoa amiga disse a outra estar sentindo falta de meus
escritos. Puxa!
As estiagens textuais neste espaço se dão, não por outro motivo, senão
pela falta de tempo, envolvido que estou no cotidiano, apesar de aposentado.
Mas voltarei, com a Graça de Deus, a escrever, uma das coisas que mais me apraz, externando sentimentos, observações e reflexões. E também,
dividindo com meus próximos informações achadas interessantes.
Como tenho usado este espaço não somente para expor aquilo que produzo,
mas também aquilo que aprecio, admiro e elejo como algo interessante a ser
compartilhado com meus leitores, aproveito o ensejo para vir à baila uma
simples mas inexpugnável crônica do agora saudoso Rubem Alves.
Esse maravilhoso escrito circulou nas redes sociais logo após a partida
do cronista, autor de tantas outras preciosidades.
E talvez nem tenha alcançado o que ela precisa alcançar, que é a
reflexão, não somente daqueles que chegam a uma idade avançada como eu, mas
também aos mais jovens, de valorizar seu tempo terreno, pois, como disse Tiago
(4:14), um dos apóstolos de Cristo, "A nossa vida é um vapor que aparece
por um pouco e depois se desvanece".
Mas, vamos ao primoroso texto.
(texto escrito em 06/09/2014)
O tempo e as jabuticabas
RUBEM ALVES (*)
Contei os anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para
frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As
primeiras ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o
caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando
seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para
reverter a miséria do mundo.
Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a
proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos,
normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da
idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de
“confrontação”, onde “tiramos fatos a limpo”.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
Lembrei agora de Mário de Andrade que afirmou: “as pessoas não debatem
conteúdos, apenas rótulos”.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não
se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a
dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é
justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor
absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena.
(*) RUBEM ALVES (1933-2014), teólogo,
escritor, jornalista.