E aquela música ainda toca fundo
Foi no início de uma noite de
dezembro do ano de 1969. Eu e o colega Nicolau chegávamos à casa de uma colega
sua. Da rua se ouvia, vindo da sala, os acordes de uma nova canção. Era uma
música que ainda não ouvíramos. Ficamos os dois parados à entrada absorvendo a
canção, sem nada perguntar. E a colega dele que nos recebeu ao perceber nosso
estado de enlevo foi até a eletrola (como se chamava o aparelho de som daqueles
tempos) que rodava um long-playng (o disco de vinil que depois seria chamado
bolachão) recém-lançado e reiniciou a execução daquela maravilhosa música. O
estilo, o instrumental e a voz do vocalista nos eram familiares, mas sem
perguntarmos de quem se tratava continuamos ali parados em frente da casa,
sorvendo aquela belíssima faixa musical (como a denominavam os disc jockeys de
então). Sem que perguntássemos, a garota, uma bela adolescente próxima a nossa
faixa etária, falou de quem se tratava e qual o título da canção. E dirigindo
ao colega, disse que quando ele voltasse a ouvir aquela música se lembrasse
dela. Confesso que senti vontade de estar no lugar dele, de ser presenteado com
aquele tipo de homenagem, de uma bela garota dizer que quando eu ouvisse aquela
joia se lembrasse dela que nem era namorada do homenageado. Era uma cortesia
sem tamanho. A música era dos rapazes de Liverpool, a banda mais famosa de
então e que marcou época para nunca mais ser esquecida e que ainda não sabíamos
que estava prestes a se desfazer. O álbum, que seria o penúltimo a ser gravado,
trazia na capa os Beatles, já Cavaleiros da Rainha, atravessando a Abbey Road
londrina. Não lembro de mais detalhes daquela noite. É possível que tenhamos
ouvido as outras faixas do álbum, também maravilhosas, como Here comes the sun e Something,
conversado amenidades e ido embora. E não me lembro de ter voltado mais ali e
nem visto mais aquela garota, nem lembro seu nome, se casou, se ainda mora por
esta abençoada terra do Grão-Pará. Talvez meu colega tenha esquecido-a e nem
tenha dado muita importância àquela eventual manifestação gentil. E que
voltando a ouvir aquela música tenha esquecido a homenagem. Eu, não! Nunca
esqueci, mesmo não sendo o alvo daquela manifestação carinhosa. Também, nunca
perguntei a ele e nem posso mais, para saber se lembrava, pois ele já se foi.
Mas, quando a música toca, passados mais de quarenta anos, ela me faz lembrar
uma jovem, cujas feições se perderam no caminho do tempo, dedicando Oh! Darling ao meu
saudoso colega de juventude, tocando no fundo da saudade, recordando a
primavera da vida!
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Para ouvir a música clique na seta, canto esquerdo abaixo da imagem
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