E o dia anoiteceu alviazul
Não foi porque o céu belenense estivesse azul com nuvens
brancas. Eram as bandeiras e camisas listradas de azul e branco, empunhadas e
vestidas por torcedores do Papão da Curuzu que tomaram a partir das dezoito
horas a Doca de Souza Franco, uma das vias tradicionais de concentração da
capital paraense, ao final do jogo Macaé (RJ) e Paysandu, comemorando o retorno
do clube do coração à série B do Campeonato Brasileiro, depois de insistir por seis
temporadas. Égua – como dizem nossos conterrâneos – até que enfim saímos dessa situaçãozinha
peba. Oportuno o manjado lítotes “já não era sem tempo”. E reparem a data do
ocorrido: 10/11/12. Dá pra esquecer? A situação era tão incômoda que até alguns
remistas, nossos tradicionais adversários, estavam torcendo em prol. Aliás,
como deve fazer o torcedor equilibrado, pois era o Pará representado por um
clube de massa. Já torci várias vezes para eles. Aliás, meu saudoso pai era
remista. Mas ele não interferiu em minha escolha. Quando eu tinha oito anos e
morávamos no interior, certo dia a quando de uma de suas rotineiras viagens à
Belém perguntou-me por qual clube eu torcia que ele iria trazer-me a respectiva
camisa. Respondi e enfatizei que era o Paysandu, insistindo que não esquecesse.
E ele não esqueceu. Ao seu retorno brindou-me com minha primeira camisa listrada
alviazul com o escudo do pé alado. Agradeci entusiasmado. E cinco anos depois, quando
já morávamos em Belém vim saber que ele era azulino. Administramos nossas simpatias
clubistas numa boa. E houve fases em que torcemos juntos pelo seu glorioso Remo
quando estava em evidência. Uma delas, foi no jogo Remo 2 X 0 Operário-MS, em
1978. Com o estádio Mangueirão lotado estivemos na mesma arquibancada torcendo
e vibrando juntos nos gols do seu clube do coração. Imagino hoje sua satisfação
naquele memorável dia 20/02/78, estar torcendo por seu clube do coração ao lado
de seu único filho. Inesquecível! Não sei se essas questões afetivas me fizeram
um torcedor transigente, mais coerente, a concluir que Remo e Paysandu são irmãos
siameses. Se um acabar, o outro fatalmente não será o mesmo. E é nessa oposição
racional que se congregam colegas, amigos e parentes, cuja separação se dá unicamente
quando os dois jogam entre si. Meu filho Hermom que é Paysandu desde criancinha,
quando garoto e adolescente era alvo das ironias de papai, principalmente
naqueles cinco anos do penta (93 a 97). Acabava um jogo entre os dois
tradicionais rivais, quando o Remo ganhava, ele telefonava para casa e quando o
neto atendia ele perguntava o resultado do jogo como se não estivesse ligado no
rádio. E à resposta do neto de que seu time havia perdido meu velho sarcasticamente
dizia: “Puxa, já tá na hora do Remo perder, dar uma chance ao Paysandu. A culpa
é do teu pai em te impor torcer por esse time. Olha eu não mandei ele torcer
pelo Paysandu”. O neto sabia que era gozação, mas, respeitosamente não retrucava.
E rindo saia com uma evasiva qualquer. E ele se foi quando seu Remo era penta. Mas,
vamos ao memorável jogo de ontem. Foi um espetáculo que ao final reuniu em
campo jogadores, comissão técnica e membros da diretoria, inclusive meu
mencionado filho que está conselheiro e diretor do seu clube. E quando o vi
chorando cheguei a rir e achar inadequado aquele choro. Já ganhamos títulos
memoráveis, inclusive quando ele tinha 10 anos estávamos juntos no Mangueirão,
do mesmo lado que estivera com papai, e vimos o Papão ganhar o primeiro título
de campeão da série B, em 26/05/1991, ganhando de 2 X 0 do Guarani. E ele não
chorou. Um ano depois, em 1992, vimos o nosso Papão ganhar do inesquecível time
do São Paulo, de Zetti, Cafu, Rai, Palhinha e Muller. E ele não chorou. Esse
mesmo time paulista que em dezembro daquele ano aqui perdera de 3 X 0 para o
nosso Papão, foi campeão mundial em Tóquio. Minutos antes daquele jogo fui com
ele até o corredor do vestiário dos visitantes e à saída dos jogadores ele
obteve num caderno seu os autógrafos de Zetti, Raí e Muller, exibindo-os no dia
seguinte a seus colegas da escola e da rua. Tantos outros jogos vitoriosos estivemos
juntos, como num 2 X 0 contra o Flamengo. Mas, em nenhum deles meu garoto chorou. Logo
entendi que no choro de ontem estava embutido um desabafo pelas constantes e
arrasadoras críticas, inclusive minhas, à atual gestão do clube. Era como se um
pesado fardo tivesse sido aliviado. Não importava os erros e desacertos
anteriores. Agora, naquele momento, ele fazia e faz parte de uma gestão que
trouxe o alviazul de seu coração de volta a um lugar mais honroso do futebol
brasileiro. E assim, nem só o dia anoiteceu alviazul, mas amanheceu da mesma
forma para o deleite da nação do mesmo tom.
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