Um
maravilhoso e inesquecível conto
Uma das histórias que ouvi
e ainda ouço de mamãe, atualmente com 87 anos, é o conto "A corda de
areia", no rol de outras centenas de histórias, entre romances, contos,
filmes e casos verídicos, alguns destes ouvidos de pais e avós. Algumas são
inesquecíveis e marcantes pela importância como lições de vida, trato ao
próximo e outros aspectos humanos. E "A corda de areia" sempre foi
uma de minhas preferidas, mas mamãe não lembrava o autor. Com o surgimento da
internet cheguei a pesquisar sua autoria, mas não tive êxito. Dia destes
conversando em casa com minha irmã Rúbia veio à tona a tal história. Ela com
mais habilidade na busca tecnológica encontrou o nome do autor: Malba Tahan. Este
é o principal heterônimo do brasileiro Júlio César de Mello e Souza
(1895-1974), professor de Matemática, autor de vários livros com dezenas contos
protagonizados por gente do mundo árabe. A referida história se passa em um
país onde os velhos foram exterminados pelos jovens que passaram a governá-lo.
Tudo ia muito bem até que um dia chegou ali uma comitiva de um país vizinho
reivindicando uma extensa e cobiçada faixa territorial de solo fértil margeando
um rio. Os visitantes trouxeram um tratado assinado fazia décadas entre os governantes
dos dois países, deixando os então dirigentes jovens atônitos sem saber o que
fazer e o que dizer. Como constatar a veracidade daquele documento? Como
reverter a situação? A solução seria apresentada no dia seguinte pelo jovem
Ministro do Exterior após este consultar seu pai, o único velho que sobrevivera
à matança e passara aqueles últimos anos escondido pelo filho em um
subterrâneo. Se quiser saber o que aconteceu leia o texto original abaixo, cujo
autor inspirou um outro brasileiro décadas depois que ficou rico escrevendo sob
a influência do mestre.
- A velhice entrava o progresso! - proclamavam os mais exaltados. - Esse belo país entregue aos moços será mil vezes mais forte, mil vezes mais feliz e glorioso!
O espírito surdo de revolta foi-se apoderando dos jovens. Que lástima (diziam) esse governo decrépito de anciãos! Que lástima!
Não se sabe como, mas a inominável desgraça ocorreu. Precipitaram-se os acontecimentos. Por todos os recantos surgiam fanáticos e conspiradores.
- Eliminemos os velhos! Acabemos com essa senilidade inútil!
É triste relatar. Que nódoa para o mundo, que ignomínia para a História! A mocidade de Kid-Elin, presa de terrível e hedionda alucinação, exterminou todos os velhos.
Todos, não. Houve um que se salvou da hecatombe. Vivia em Kid-Elin um rapaz chamado Zarmã que tinha por seu pai (homem bastante idoso) uma grande, nobre e sincera afeição. E no dia da execrável revolta escondeu o velho no fundo de um subterrâneo, livrando-o assim de cair em poder dos revoltosos homicidas. Para Zarmã a vida de seu pai era um segredo que ele não ousava revelar a ninguém.
Voltemos, porém, à nossa narrativa. Exterminados os velhos, o país de Kid-Elin passou a ser governado unicamente pelos moços, alegres e inexperientes. Para o cargo de Presidente da República elegeram um jovem de vinte e dois anos; o ministro mais amadurecido pela idade não completara dezoito anos; vários generais eram, apenas, adolescentes; o Supremo Tribunal foi entregue a um mancebo de vinte anos incompletos: da direção do Banco Nacional encarregou-se um novato, que precisamente no dia da posse festejava sua décima quinta primavera!
Os juvenis governantes de Kid-Elin proclamaram com alvoroço a vitória:
- Eis o único país do mundo que não tem velhos! Aqui é a mocidade que governa, resolve e desresolve!
Certas notícias correm pela terra com a rapidez do relâmpago pelo ar. No fim de poucas semanas recebia o mundo a informação do movimento de Kid-Elin.
- Kid-Elin é o país dos jovens! Vamos todos para Kid-Elin.
E as estradas encheram-se de turistas e curiosos que iam em busca da nova República.
Para empanar a esfuziante alegria dos jovens senhores de Kid-Elin verificou-se um fato profundamente inquietante e desagradável. De Beluã (reino vizinho) foi enviada aparatosa embaixada constituída de técnicos, jurisconsultos e economistas. Essa embaixada, ao chegar, procurou o jovem Presidente da República e fê-lo ciente de
sua espinhosa e delicada missão. Tratava-se apenas do seguinte: O reino de Beluã, por seus legítimos representantes, exigia dos moços a devolução imediata de todas as terras que se estendiam para além do rio Helvo.
E o chefe da embaixada exprimiu-se em termos bem claros, sem poesia e sem retórica:
- O governo beluanita, firmado em seus direitos, exige a entrega imediata do território em litígio. - Temos um tratado, nesse sentido, com Kid-Elin. Aqui estão os documentos.
O Presidente, os Ministros e Magistrados de Kid-Elin examinaram os títulos e as escrituras. Tudo parecia claro, líquido, insofismável. A República de Kid-Elin era obrigada a entregar ao seu poderoso vizinho (em virtude de um acordo feito vinte anos antes), léguas e léguas de uma terra dadivosa e rica!
Que fazer? Seria a ruína para o país. Seria a desgraça para os jovens!
- Cabe-me, entretanto, desmentir as notícias propaladas pelos vossos agentes e emissários. Posso jurar que a República dos jovens não existe. Tudo mentira! Há velhos, ainda, neste país!
Mas, afinal, que significa isso: - Corda de areia?
Eis o segredo que o Tempo (e só o Tempo) se encarregará de revelar aos jovens. A velhice é um tesouro. Tesouro de sabedoria, clarividência e discrição. Sem o amparo seguro da velhice, a parcela jovem da humanidade estaria perdida e extraviada, pelos descaminhos da vida. É a velhice que sabe onde encontrar essa maravilhosa corda de areia que liga o Passado ao Presente e enlaça o Presente com o Futuro.
E o bondoso e paciente rabi Haggai repetia quarenta vezes falando aos discípulos atentos:
- Lembrai-vos, meus jovens amigos, lembrai-vos sempre da "corda de areia".
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