sábado, outubro 20, 2007


Um símbolo ameaçado

Uma casa de mais de meio século, situada em uma esquina do tradicional e nobre bairro Ipiranga da capital paulista, deixada por uma octogenária senhora, sem cônjuge e filhos, está sob partilha de três irmãos sobreviventes e os filhos de oito irmãos que se foram. Trata-se de um luxuoso imóvel para os padrões da época de sua construção, fruto do esforço de um imigrante italiano e sua mulher também originária da la penisola, deixado para a filha que não casou e cuidou deles até seus últimos momentos.O pai chegou menino ao Brasil, com oito anos, no século 19 e aqui amealhou considerável patrimônio, possibilitando aos filhos a também progredirem como empresários, alguns mais e outros menos, viabilizando que os da terceira geração em diante chegassem à universidade, concluindo tradicionais cursos como medicina, engenharia e direito. Agora a casa está com placas de venda para a divisão entre os colaterais da última ocupante e possuidora.Partilhas com muitos sucessores, diante do natural conflito de interesses, geram controvérsias e insatisfações. Alguns são abastados e o restante, vivia e vive sem precisar do que agora está para ser rateado sob a égide da lei dos homens. E não houve ainda quem se propusesse a arrematar o imóvel para preservá-lo para a posteridade.É bem verdade que nem todos tiveram a oportunidade de participar de aniversários, batizados e outros eventos familiares comemorados naquela casa, incluindo os natalinos, palco de brincadeiras pueris, risadas, choros e toda sorte de emoções durante mais de meio século. Mas agora essa casa, cujas paredes são testemunhas mudas de tantos acontecimentos e tanto significado, está em vias de ser alienada.Já está na sexta geração a descendência do velho italiano que adotou São Paulo e contribuiu para o seu desenvolvimento e, consequentemente, do País. E que não deve ter nem sonhado que o produto de seu lavoro, abrigo de muitas décadas até seus últimos dias, símbolo de seu fausto, poderia sair das mãos de seus descendentes.Dias atrás, um menino de pouco mais de dois anos, nascido na Amazônia, descendente do velho imigrante, em passeio com os pais pela capital paulista, esteve visitando o imóvel. Quando estiver crescido, provavelmente não verá mais a representação de uma época de tanto significado, ameaçada desaparecer para dar lugar a outra edificação mais moderna. De lembrança restarão fotografias suas sentado na escada de mármore da porta principal, também usada no passado por seus ancestrais e parentes, não apenas como moldura, mas para acesso ao palco dos personagens de uma saga.

São Paulo/SP, 20/8/2007

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