Condutor
esquecido é premiado
Alguns de nossos legisladores, de
quaisquer esferas, surpreendem com a apresentação de projetos de lei
mirabolantes ou grotescos. Anteontem à noite, ouvindo a “Voz do Brasil” no rádio de meu veículo, soube que tramita um projeto de lei obrigando os órgãos de trânsito dos Estados e
do Distrito Federal (os DETRAN) a informarem aos condutores de veículos, através de correspondência enviada num
prazo mínimo de 90 (noventa) dias antes de expirar o prazo de validade da
autorização para dirigir disposto na carteira nacional de habilitação (CNH), objetivando sua renovação. Mais
tarde em casa confirmei a notícia visitando o site da Câmara dos Deputados. Não estou aqui a defender o Estado, pois não tenho delegação para tal, mas acho o projeto inoportuno,
descabido ao transferir uma incumbência do indivíduo ao poder público, um
cuidado que cada condutor deve ter. Minha CNH já foi renovada várias vezes, tendo eu providenciado sua renovação com a necessária antecedência. A última se deu em junho do ano passado com
validade de cinco anos. Se eu ainda estiver com vida e em condições satisfatórias de saúde até maio de 2017 começarei os preparativos para a nova renovação. Não me parece nada, nada mesmo, difícil ou complicado. Além do mais, o atual Código de Trânsito Brasileiro dá uma deixa aos esquecidos quando estabelece no inciso V, de seu
artigo 162, que somente configura infração
dirigir com a CNH vencida há mais de 30 (trinta) dias, de onde se
conclui, que com até 29 dias de expirado o prazo de validade,
o condutor pode dirigir veículos automotores. Se o condutor esquece é porque negligenciou com as imposições
legais, não está controlando suas necessidades. E
mais, está colocando em risco o interesse alheio, principalmente quando a CNH é
seu instrumento de trabalho. Existe uma infinidade de alternativas aos
esquecidos, desatentos, negligentes, para lembrar a data de validade e, via de
consequência, providenciar a renovação de sua
carteira de condutor. Pode ser com um lembrete afixado no seu veículo, com avisos espalhados pelas paredes da casa, pedir aos
parentes e amigos que o avisem quando estiver se aproximando a data prevista
para a renovação, agendar no celular etc. Se aprovada essa ridícula lei, já sabemos que o Estado não possui e nem irá se estruturar logo para por em prática com eficiência mais uma
incumbência. E o descumprimento do prazo de lei deixará o condutor
despreocupado e dirigindo com a CNH vencida, podendo alegar, com respaldo legal,
que não foi informado a tempo. Um motivo a mais para muita gente dirigir com a
CNH vencida. Mas, o que tem a ver as imagens do veículo virado no leito da via pública que está postada acima do texto com o problema abordado? Um veículo amanheceu ontem capotado em uma via de trânsito local, no máximo via coletora, cujos limites de
velocidades vão de 30 a 50 Km/h, respectivamente, donde se infere que seu
condutor esqueceu (ou desprezou) alguma coisa, nem que seja a prudência, ou as
regras basilares de trânsito. É para esse tipo de
condutor que servirá a picaresca lei que já teve de seu relator parecer favorável alegando que muitas vezes, o condutor se esquece de
verificar o prazo de validade da CNH, e fica sujeito a ser surpreendido pela
fiscalização. Coitadinho do esquecido, dirão alguns ironicamente. Esquece
do prazo, esquece das regras de trânsito, esquece disso e daquilo, e assim vai
o condutor sendo tolerado pelo seu esquecimento, colocando em risco sua vida e
de seus semelhantes, albergado por esse tipo de inciativa legislativa. Enquanto
o legislador se preocupar com essas inutilidades como a validade da carteira de
condutor em detrimento de uma atuação mais abrangente, voltada aos pedestres,
aos ciclistas e aos condutores responsáveis, a estruturação das perícias de
trânsito objetivando apontar o real culpado para responsabilizá-lo
administrativa, penal e civilmente, coibir os famigerados pegas e outras pragas
que infestam as vias de trânsito, a implementação de educação (conscientização)
de condutores “esquecidos” e um maior controle do Estado no trânsito das
rodovias e demais vias de tráfego de veículos automotores, as estatísticas de
vítimas fatais e outras com sequelas graves, decorrentes de atropelamentos,
colisões e capotamentos, continuarão a crescer assustadoramente.